“Bom é estarmos aqui”… será?!

Enquanto Jesus orava, a aparência de seu rosto se transformou, e suas roupas ficaram alvas e resplandecentes como o brilho de um relâmpago… Pedro e os seus companheiros acordando subitamente, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com ele. Quando estes iam se retirando, Pedro disse a Jesus: “Mestre, é bom estarmos aqui. Façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias”. – Lucas 9.28-33

Bom é estarmos aqui! Eles queriam a espiritualidade do êxtase, da fuga, não do enfrentamento. Queriam as visões arrebatadoras do monte, não os gemidos pungentes do vale. Queriam o arrebatamento emocional, as visões espetaculares, o milagre celestial, mas não se entusiasmaram em descer o vale. Contudo, é no vale que o ministério precisa ser exercido. É lá que há gente chorando, gemendo, sangrando, atormentada pelo diabo.
É mais cômodo cultivar a espiritualidade do conforto pessoal e do comodismo. É mais fácil viver em constante êxtase. E melhor estar no templo, participar de um louvor gostoso, vivo, perto de pessoas co-iguais, do que descer ao vale cheio de dor e opressão. Não queremos sair pelas ruas e becos. Não queremos entrar nos hospitais e cruzar os corredores entupidos de gente com a esperança morta.
Não queremos ver as pessoas encarquilhadas e emagrecidas nas salas de quimioterapia. Evitamos olhar para as pessoas marcadas pelo câncer nas antecâmaras da radioterapia. Desviamos das pessoas caídas na sarjeta. Não queremos subir os morros semeados de barracos, onde a pobreza extrema fere a nossa sensibilidade. Não queremos visitar as prisões insalubres, onde o ser humano vive à margem da dignidade.
Não queremos pôr os pés nos guetos encharcados de violência nem nos aproximar dos antros malcheirosos onde a promiscuidade e os vícios degradantes parecem prevalecer. Não queremos envolver-nos com aqueles que vivem nos bolsões da miséria, alijados, excluídos, sem direito e sem voz em uma sociedade que cada vez mais privilegia o forte e sufoca o fraco. Não queremos saber dos que estão caídos, atormentados pelo diabo.
E fácil, é cômodo fazer uma tenda no monte. É tentador satisfazer nossos próprios desejos, cultivando uma religiosidade escapista, timbrada pelo comodismo, restrita ao templo, ao reduto do sagrado, fechada dentro de quatro paredes. O monte é o lugar de carregar as baterias, mas o ministério é exercido no vale. Permanecer no monte é fuga, é omissão, é irresponsabilidade, é negar a missão. A multidão aflita nos espera no vale. E lá que devemos viver no poder do Espírito Santo. E lá que devemos espargir a luz de Cristo. É lá que devemos proclamar libertação aos cativos.

 

Hernandes Dias Lopes – extraído do livro “As faces da espiritualidade” – Ed Candeia

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