MPF: ‘Não se justifica’ risco assumido pelo governo ao firmar compra da Covaxin

O Ministério Público Federal (MPF) apontou suspeitas em relação às negociações do governo federal na aquisição da vacina Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, representada no Brasil pela Precisa Medicamentos.

Em um despacho da semana passada, do dia 16 de junho, a Procuradoria da República do Distrito Federal pede abertura de investigação específica sobre as negociações com a Precisa, que também estão sendo alvo de apuração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19.

No documento, a procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira pontuou: “A omissão de atitudes corretiva da execução do contrato, somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa Precisa e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto cível e criminal, uma vez que, a princípio, não se justifica a temeridade do risco assumido pelo Ministério da Saúde com essa contratação, a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público”.

Após o despacho, foi aberta uma notícia de fato no 11º Ofício de Combate ao Crime e à Improbidade Administrativa. O Ministério da Saúde assinou contrato no dia 25 de fevereiro de R,6 bilhão com a Precisa Medicamentos para aquisição de 20 milhões de doses da Covaxin a US$ 15, valor mais elevado que o da Pfizer, por exemplo. Na época, não havia sequer estudo fase 3 no Brasil aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Somente em 14 de maio deste ano a agência deu aval à realização de ensaios clínicos do imunizante no Brasil.

O Ministério Público Federal (MPF) apontou que a Precisa Medicamentos celebrou contrato com o Ministério da Saúde prevendo a entrega de 20 milhões de doses até 70 dias após a assinatura. A procuradora ressaltou que “apurou-se que a empresa tem, entre suas sócias, a Global Saúde”.

A empresa, segundo a procuradora, há pouco mais de três anos, negociou um contrato “para venda de medicamentos ao Ministério da Saúde mas não os entregou, causando prejuízos a centenas de pacientes dependentes de medicamentos de alto custo, e prejuízo de mais de R$ 20 milhões ao erário, ao que consta ainda não ressarcidos”. O fato gerou uma ação de improbidade administrativa em face do então ministro da Saúde Ricardo Barros e de outros servidores, que tem um inquérito policial em curso.

A procuradora ressaltou que o preço da dose negociada é mais elevado que o da negociação de outras vacinas do mercado internacional, citando a Pfizer. “Expirados os 70 dias de prazo para a execução escalonada do contrato, nenhum dos lotes de 4 milhões de doses fora entregue pela contratada Precisa, porque a vacina em questão não havia obtido, pelo menos até 05 de junho de 2021, autorização emergencial da Anvisa para importação e/ou uso no Brasil”, ressaltou.

A vacina ainda sofre restrições de importação, ficando permitido, no início de junho, somente o uso sob condições controladas, concessão que pode ser suspensa “caso o pedido de uso emergencial em análise pela Anvisa ou pela Organização Mundial da Saúde (OMS) seja negado, ou ainda com base em informações provenientes do controle e do monitoramento do uso da vacina Covaxin no Brasil”, como informa a Anvisa.

A autorização restrita ocorreu após dificuldades de aprovação. No fim de março, o certificado de Boas Práticas e o uso emergencial foram negados pela Anvisa. Na justificativa, o relator da 5ª diretoria e relator do processo, Alex Machado Campos, apontou inconsistência na documentação. Segundo ele, “a área técnica identifica riscos e incertezas no uso da vacina Covaxin nas condições atuais”, de maneira que não foi possível determinar “a relação benefício risco com as informações disponíveis até o momento”. A vacina estava programada para chegar em março, e somente esta semana teve a Certificação de Boas Práticas de Fabricação das plantas aprovadas, um dos primeiros passos para a regularização do imunizante.

“Embora se trate a situação de nítida hipótese de descumprimento da avença, o Ministério da Saúde vem concedendo oportunidades à empresa de sanar as irregularidades perante a Anvisa, elastecendo os prazos de entrega da vacina, mesmo sabendo que ainda é incerta a entrega das doses contratadas e, por enquanto, não autorizada sua distribuição em larga escala. Portanto, a finalidade da celebração do contrato é distribuir, em ampla escala, as doses contratadas dentro do programa nacional de imunizações não tem previsão de ser alcançada, o que deveria reclamar do gestor público imediata ação corretiva”, pontuou.

Estava marcado para a próxima quarta-feira (23) o depoimento de Francisco Emerson Maximiano, sócio da Precisa. Ele informou à CPI, entretanto, que foi à Índia no dia 15 e está cumprindo isolamento. O presidente da CPI Omar Aziz (PSD-AM) informou que irá transferir a oitiva de Maximiano para a próxima semana.

“Pressões anormais” Documentos enviados à CPI da Covid-19 mostram que um servidor relatou ao MPF “pressões anormais, por meio de mensagens de texto, e-mails, telefonemas, pedidos de reuniões” para resolver entraves em relação à importação da vacina indiana.

As informações estão em requerimento do vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), de transferência dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático de Alex Lial Marinho, ex-coordenador-Geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde, exonerado no último dia 8. No requerimento, Randolfe pontua que Marinho “é nome importante no episódio de contratação da vacina indiana Covaxin e na omissão do governo em relação à negociação com Pfizer”.

“Conforme documentação recebida pela CPI, o coordenador-geral de aquisições de insumos estratégicos para saúde atuou fortemente para que seus funcionários superassem, de qualquer forma, os entraves junto à Anvisa que impediam a entrada da vacina Covaxin, em território nacional. Em depoimento recebido por esta CPI, um servidor informa sobre pressões anormais através de mensagens de texto, e-mails, telefonemas, pedidos de reuniões, tendo sido procurado inclusive fora de seu horário de expediente em sábados e domingos. Informa que essa atuação não foi feita em relação a outras vacinas, o que corrobora com diversos depoimentos ouvidos anteriormente nesta comissão”, pontua.

Segundo informações de Randolfe, o servidor em questão informou que “o alto escalão do Ministério da Saúde, tal qual a Secretaria Executiva, a sua própria coordenação, dentre outros setores pediam que fosse encontrada a ‘exceção da exceção’ (palavras do servidor) junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), para que os entraves fossem superados”.

Via Diário de Pernambuco

Artigos relacionados