“Fui mordido por morcego e virei 1º sobrevivente da raiva humana no Brasil”

Há meia vida, Marciano Menezes da Silva saiu da pequena cidade de Floresta, em Pernambuco, para as manchetes nacionais. Aos 15, em 2008, ele tornou-se o primeiro brasileiro a sobreviver à raiva humana. Ele se diz feliz por estar vivo, sente que “nasceu de novo”, mas precisa conviver com sequelas que mudaram a rotina dele para sempre.

“A principal [sequela] é que antes eu corria. Agora, não”, diz Marciano em entrevista ao UOL. Além de precisar de cadeira de rodas, ele tem dificuldades na fala e na mobilidade das mãos. As diferenças entre o menino de 15 anos que foi levado ao hospital após uma mordida de morcego em setembro de 2008 e o adulto de 30 que precisa de auxílio para se locomover não são apenas externas.

Hoje, o rapaz marcado pelo trauma não consegue ficar fora da casa em que mora à noite, turno no qual foi mordido pelo animal.

O menino que corria tem uma rotina pacata no sítio em que sempre morou. Marciano acorda, toma café da manhã fora da casa, volta para dentro e passa horas assistindo à TV todos os dias, exceto quando sai para fazer acompanhamento fisioterápico no centro de Floresta, uma vez por semana.

Independência limitada Nos anos seguintes à sua cura, o jovem tinha o sonho de uma cadeira de rodas motorizada que o ajudasse a se locomover. Ele ganhou o veículo em 2017, mas, no fim de 2022, mais de cinco anos após a liberdade, o par de baterias do veículo acabou.

Pelo custo elevado das baterias (superior a R$ 1 mil, segundo o rapaz), ele passou a não conseguir mais mover o equipamento sozinho. “Agora, na maioria do tempo, quando preciso subir para dentro de casa, são os outros que me empurram”, conta. O jovem continua vivendo com o pai e dois dos sete irmãos. Ele conta com eles e com os cunhados para locomoção dentro do sítio.

Pandemia

Um dos períodos mais complicados para Marciano após a doença foi a pandemia da covid-19. No grupo de risco da doença por causa das sequelas da raiva, ele recebeu a notícia de um irmão e uma cunhada infectados. Em um isolamento ainda mais severo do que o rotineiro, não se contaminou.

O confinamento, porém, impediu uma das poucas atividades que ele fazia fora do sítio: os exercícios para melhorar a movimentação dos membros, afetada pela doença.

Tive de ficar em casa, porque se eu pegasse [covid-19] não ficaria mais vivo. Foi um período complicado, eu parei a fisioterapia, mas já voltei no começo de 2022.

O jovem Marciano mantém sonhos antigos. Um deles é ter uma reforma no quarto em que vive e comprar um ar-condicionado para lidar com o calor de Floresta. O outro é recuperar a pouca independência que conquistou. “Meu sonho é nunca ficar sem a minha cadeira motorizada.”

Infecção, tratamento e cura

Marciano foi mordido no tornozelo por um morcego na noite de 7 de setembro de 2008, enquanto dormia. Ele foi levado pelo pai para um posto de saúde da área rural do município no dia seguinte e encaminhado a um pronto-socorro de Floresta em seguida. Ao ser atendido por um médico, o então adolescente não recebeu a vacina antirrábica por “não apresentar sintomas” da doença. Ele começou a manifestar esses sintomas cerca de um mês depois, quando começou a ter dormência nos braços e febre alta.

O adolescente foi levado para o Recife e chegou a ser “desenganado” por especialistas, que deram, no máximo, 10 dias de vida para ele.

Uma equipe do Hospital Universitário Oswaldo Cruz iniciou no local o protocolo de Willoughby, aplicado à primeira pessoa do mundo a sobreviver à doença, uma norte-americana, no ano de 2004. Entre as ações do protocolo estavam a indução do coma no paciente e a aplicação de antivirais.

A notícia da cura de Marciano, a quarta pessoa do mundo a sobreviver à raiva, foi confirmada pelos médicos pernambucanos no dia 13 de novembro de 2008. Marciano ainda passou um ano no hospital e voltou para casa em 2009.

Via UOL Notícias.

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