Quando a fé e a política se misturam

O dito popular adota a máxima de que política e religião não se discutem e, muito menos, se misturam. Separados, os dois temas são capazes de promover ferozes polêmicas. Juntos, então, podem formar um caldeirão explosivo capaz de afastar o mais fervoroso fiel ou a mais ativa liderança política. Contrariando os prognósticos populares, a Igreja Católica vem assumindo posições cada vez mais engajadas e voltadas para pautas que afetam a sociedade.

Uma postura que vem sendo levantada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em posicionamentos recentes contrários a matérias como a PEC 241, que limitou gastos públicos, e a reforma da Previdência. O principal reforço, contudo, foi dado pelo Papa Francisco, nesta semana, com a divulgação de uma carta enviada pelo pontífice ao presidente Michel Temer (PMDB), onde cobra soluções que evitem agravar a situação da população mais pobre e vulnerável do País. A missiva justificava a ausência do Papa nas comemorações dos 300 anos do encontro da Imagem de Nossa Senhora Aparecida, em outubro. No texto, ele pondera que as camadas mais vulneráveis da sociedade não podem “pagar o preço mais amargo e dilacerante de algumas soluções fáceis e superficiais para crises”.

Renovação
A posição representa uma renovação da imagem e do discurso da Igreja, abrindo suas portas para te­mas sociais e buscando dialogar com os segmentos mais vulneráveis da sociedade civil. “É o primeiro Papa a convocar três encontros mundiais de líderes e representantes de movimentos populares. Ele quer ouvir os oprimidos, dar voz a eles, e, nesses encontros, Francisco cunhou a proposta da dignidade humana baseada em três Ts: teto, terra e trabalho. Vale observar que o Papa nunca convocou um encontro mundial de líderes empresariais”, relata Frei Betto. Diferente dos seus antecessores, o argentino Francisco também possui sensibilidade maior aos temas da América Latina e seus governos.

A abertura da Igreja Católica para o debate social, renovada por Francisco, encontra um campo fértil no turbulento cenário de instabilidade política, econômica e moral do Brasil. Diante de movimentos traumáticos como o afastamento de um presidente da República e uma agenda reformista intensa promovida pelo novo governo, entidades brasileiras vêm adotando posicionamentos contundentes sobre temas em voga na sociedade. A partir do agravamento da crise, a CNBB passou a adotar posicionamentos públicos manifestando preocupação com o processo de impeachment, criticando a corrupção com os escândalos políticos e cobrando soluções para a crise que não atinja as camadas mais vulneráveis da população.

No entanto, a CNBB não é a única entidade religiosa a se manifestar. O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), a Conferência Dos Religiosos do Brasil e Conferência dos Frades Menores do Brasil também adotaram posicionamentos contrários àreforma da Previdência e fizeram alertas para o risco de perdas sociais. A criação das entidades remonta diretamente ao Concílio Vaticano II, em 1961, onde a instituição foi renovada, e instituições como a CNBB foram criadas para dar voz política à Igreja aliada às reflexões do evangelho. “A CNBB é jovem e surge no Concílio Vaticano II. No Brasil, os momentos mais tensos que vivemos são, justamente, a Ditadura e hoje. É natural que ela e todas as outras entidades se manifestem nesses momentos mais críticos”, afirma o coordenador de Teologia da Universidade Católica de Pernambuco, Sérgio Douets Vasconcelos.

Via FolhaPE/Carol Brito

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