PMs acusados de estupro foram homenageados por “bravura” semanas antes do crime

Jovem de 18 anos teria sido abordada antes pelos policiais sob suspeita de estar com drogas

Acusados de envolvimento no estupro de uma jovem na última semana, dois policiais militares do 25º BPM (Saquarema) foram homenageados, semanas antes do crime, pela Câmara Municipal de Saquarema. Diogo Viana Lourenço e Sanclair Marinho Antunes Corecha receberam a medalha de Bravura Cleyson da Costa Almeida em 4 de abril. A honraria foi criada para homenagear pessoas “que mereçam destaque por seus feitos e comportamento exemplar ou por atos de coragem e bravura no cumprimento do dever e relevantes serviços prestado à população ou ao seus Poderes Públicos”, segundo a Câmara de Saquarema.

Nas redes sociais, há três semanas o vereador Abraão da Melgil (DEM) postou fotos entregando as homenagens e os chamou de “heróis” que “arriscam suas vidas em prol dos cidadãos“. A honraria dada a Diogo Viana Lourenço foi proposta pelo vereador Bebeto Rio Seco (PROS). Procurados, eles não atenderam a reportagem.

Em sua Ficha Disciplinar, a qual O Globo teve acesso, Sanclair é classificado por ter bom comportamento, mas acumula nove faltas a serviço entre 2016 e 2020. O policial entrou na PM em 2014 após conseguir uma decisão em liminar autorizando seu ingresso. Durante a fase de investigação social no concurso, ele foi eliminado, pois tinha sido acusado, aos 17 anos, de dirigir uma moto sem habilitação. Na época, segundo os autos do Tribunal de Justiça do Rio, ele bateu contra um veículo. Ele chegou a ser afastado da PM pela Justiça, que, em primeira instância, o sentenciou a deixar a corporação. Sanclair permanece recorrendo na Justiça.

Gerson Jucá também é classificado como policial de bom comportamento, segundo sua ficha disciplinar. Entre 2019 e 2021 acumulou três faltas a serviço e, pelas infrações, cumpriu sete dias de detenção.

Jovem relata que foi estuprada e algemada
Em depoimento prestado na delegacia, uma jovem de 18 anos que acusa policiais militares do 25º BPM (Saquarema) de a estuprarem na última semana detalhou à polícia o que sofreu. A mulher e uma amiga teria ficado por três horas sob o poder dos PMs após serem abordadas sob suspeitas de estarem com drogas. Na delegacia, a vítima contou que foi estuprada por 20 minutos, foi xingada, algemada e ameaçada de morte pelo cabo Gerson Jucá Rolim de Paula. As informações foram reveladas pelo RJ2.

No depoimento, a mulher relatou que o agressor não usou preservativo e ouviu de outro policial que “ele não perde essa mania”, deixando a entender que o PM tem essa conduta rotineiramente. A jovem ainda afirmou que viu o policial que a estuprou usando cocaína dentro da viatura da PM.

“Me sinto aliviada né, porque não posso ver uma viatura ou um carro estranho na rua que já começo a ficar traumatizada. Que bom que a Justiça foi feita, principalmente com o que estuprou”, disse a mulher ao RJ2.

PMs foram presos
A Corregedoria da Polícia Militar prendeu, nesta segunda-feira, quatro agentes suspeitos de envolvimento no estupro de uma jovem de 18 anos na Região dos Lagos. Alexsander Moreira de Simas, Diogo Viana Lourenço, Gerson Jucá Rolim de Paula e Sanclair Marinho Antunes Corecha tiveram prisão preventiva decretada. A vítima revelou que foi ameaçada com uma faca por um agente. O crime aconteceu no distrito de Bacaxá. O cabo Gerson Jucá Rolim de Paula, suspeito de cometer o ato, estava na viatura acompanhado de Simas. Os outros dois PMs estavam em um segundo carro, que acompanhou os agentes que estavam com a vítima até um local deserto.

A Corregedoria Geral da PM foi informada do crime na última sexta-feira, após a queixa da vítima na 118° DP (Araruama) e está investigando o caso através da 4ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar. O órgão fez contato com o comando do 25° BPM (Cabo Frio) e com a delegacia que investiga o caso e obteve a identificação dos agentes e o laudo pericial da 118ª DP (Araruama).

O exame de corpo de delito, realizado no Instituto Médico-Legal (IML) horas após o registro de ocorrência na delegacia, apontou a existência “lesão corporal contusa em membros superiores, vulva e vagina”. O relatório descreve também “vestígios de violência sexual”, além de hematomas nos braços causados por “ação contundente”. O advogado de defesa da vítima, Thiago Camarinha, afirmou que a jovem está trancada dentro de casa desde a denúncia.

“Ela está traumatizada. Só consegue falar porque quer justiça, mas está com muito medo” contou Camarinha.

No dia do crime, os policiais identificados pela vítima estavam de serviço em Saquarema pelo Proeis, programa de reforço de segurança.

A vítima contou na delegacia que foi a um bar na noite de quarta-feira em Bacaxá a convite de uma amiga. No local, presenciou a chegada de um grupo de três jovens que estariam usando drogas na área externa. O grupo se dispersou com a chegada de um carro da PM. Segundo o relato, dois PMs que estavam no carro — identificados como o cabo Gerson Juca Quirino Rolin de Paula, lotado na UPP Rocinha, e cabo Simas, da UPP do Alemão — desceram e as abordaram. As duas jovens foram levadas para o carro. Os policiais teriam afirmado que “ação fazia parte do procedimento”.

Os PMs teriam levado a dupla para uma região de mata, no bairro Vilatur, a seis quilômetros de Bacaxá. A vítima disse ter estranhado a rota e a atitude dos policiais e afirmou ter pedido para ir ao banheiro. Naquele momento, o cabo Gerson Juca Quirino Rolin de Paula teria se oferecido para acompanhá-la, tendo, então, cometido o crime.

A amiga da vítima não teria sido abusada nem presenciado a ação, já que o crime foi cometido longe de onde os policiais teriam parado a viatura. A vítima retornou ao carro aparentando estar desorientada e com sinais de violência.

A vítima identificou dois agentes acusados de cometer o estupro e mais dois policiais que estavam em uma segunda viatura, que acompanhou os agentes que estavam com a vítima até o local deserto. Em nota, a PM informou que a Corregedoria pediu apoio à Secretaria de Segurança de Saquarema, que forneceu os dados do GPS das viaturas utilizadas pelos policiais, assim como as imagens das câmeras de monitoramento da cidade.

Os quatro policiais envolvidos na abordagem e condução da vítima foram ouvidos na 4ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar. A nota diz ainda que, “apesar de a vítima identificar apenas um autor, os demais agentes que estavam no local, concorrem à mesma pena, sendo indiciados pela investigação da Corregedoria como co-autores“.

Os mandados de prisão foram expedidos do Plantão Judiciário da Capital, após a Corregedoria avaliar que é necessária a prisão dos agentes envolvidos no caso. O material da investigação será analisado pelo Ministério Público Militar, que vai acompanhar o caso, que será depois encaminhado à Justiça.

Via Folha de Pernambuco.

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