No fim do mandato, Bolsonaro libera exploração de madeira em terras indígenas

Medida entra em vigor em 30 dias, já no governo Lula, que pode rever decisão. Entidades dizem que Bolsonaro atende interesse de madeireiros e dá brecha para aumento da devastação.

Medida entra em vigor em 30 dias, já no governo Lula, que pode rever decisão. Entidades dizem que Bolsonaro atende interesse de madeireiros e dá brecha para aumento da devastação.

A duas semanas do fim do mandato do presidente Jair Bolsonaro, o governo federal publicou nesta sexta-feira (16) uma medida que libera a extração de madeira em terras indígenas.

O ato é uma “instrução normativa” que autoriza o chamado manejo florestal sustentável. Ela foi assinada pelos presidentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim, e da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier.

Governo Bolsonaro flexibiliza extração de madeira em terras indígenas

  • A medida permite a exploração inclusive por organizações de composição mista, ou seja, entidades com a participação de não indígenas.
  • A instrução entra em vigor daqui a 30 dias, já no governo Lula, que poderá rever a medida.
  • Para entidades ambientais, a medida fere a Constituição Federal, que veda a exploração de madeira em terras indígenas.

Alvo de invasores e garimpeiros, as terras indígenas estão entre os principais redutos de conservação ambiental no país. Com as novas regras e as lacunas na fiscalização, especialistas temem que a medida facilite a exploração criminosa.

Qual a justificativa da Funai?

Em nota, a Funai afirma que a medida era uma “reivindicação antiga de diversas etnias e resultará em mais autonomia para os indígenas” e acrescenta que possibilitará a ampliação de “geração de renda nas aldeias de forma sustentável”.

Segundo a fundação, a regulamentação “ajudará a combater as atividades de desmatamento ilegal em terras indígenas”. Diz ainda que o manejo florestal “é estudado há mais de uma década por instituições e entidades ambientalistas e indigenistas como uma alternativa viável de geração de renda e emprego nas comunidades indígenas”.

g1 também procurou o Ibama, mas não havia obtido resposta até a última atualização deste texto.

O que diz a medida em 7 pontos:

  1. Os planos de exploração poderão ser apresentados por cooperativas integradas pelos próprios indígenas ou organizações de composição mista (a participação de não indígenas tem que ser inferior a 50%).
  2. O grupo interessado em fazer a exploração terá que pedir autorização e, para isso, precisará apresentar um documento técnico avaliando os impactos cultural e econômico nas comunidades que vivem na terra indígena.
  3. Para embasar o plano, deverá ser feito um relatório de viabilidade socioeconômica, que terá que, primeiro, ser submetido à comunidade indígena para consulta. Se aprovado, o relatório terá que ser enviado à Funai, que dará um parecer.
  4. Também será preciso demonstrar a viabilidade ambiental.
  5. O plano final dependerá do aval do Ibama.
  6. O texto prevê o manejo em três biomas brasileiros: amazônicocaatinga e cerrado.
  7. A quantidade de madeira a ser extraída deverá seguir critérios específicos já existentes para cada um desses biomas (em áreas fora de terras indígenas) e que levam em conta, por exemplo, a necessidade de uso de máquinas para o arraste de toras e o ciclo de corte das árvores.

Críticas: margem para mais destruição

Na prática, de acordo com Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISO), o documento abre margem para sérios impactos ambientais e aumento do desmatamento nessas terras.

Isso representa um flagrante tentativa de burlar a Constituição Federal e o Estatuto do Índio, que estabelecem que os recursos dos rios, lagos e solos pertencem exclusivamente aos povos indígenas.— Juliana Batista, advogada do ISO

De acordo com o artigo 231 da Constituição, “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.

Já o Estatuto do Índio, também citado por Batista, traz em seu artigo 18 a proibição da “prática da caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativa” em terras indígenas por pessoas não indígenas.

Em nota, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) diz que:

  • a instrução normativa viola preceitos constitucionais;
  • é uma resposta do governo atual à demanda dos madeireiros;
  • povos que residem nos territórios afetados deveriam ter sido consultados;

“No contexto geral, os ataques aos territórios indígenas, estão diretamente ligados a medidas do poder Executivo, que ao fim do mandato, edita normas que favorecem e incentivam a exploração e a apropriação privada de terras indígenas por parte de não indígenas, dando a invasores confiança para avançarem em suas ações ilegais dentro dos territórios”, afirma a Apib.

Via G1 Pernambuco.

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