MPF abre inquérito civil para investigar irregularidades na compra de respiradores no Recife

Segundo Procuradoria da República no estado, estão sendo apurados os possíveis casos de superfaturamento e lavagem de dinheiro para aquisição de equipamentos pela prefeitura.

A compra de respiradores para unidades de atendimento a vítimas da Covid-19, no Recife, é alvo de um inquérito civil aberto pelo Ministério Público Federal em Pernambuco. O objetivo da Procuradoria da República é investigar possível superfaturamento e lavagem de dinheiro para aquisição dos equipamentos, com recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), pela prefeitura.

A investigação, comandada pela procuradora da República Sílvia Regina Pontes Lopes, tem como meta detectar possíveis irregularidades nos contratos assinados entre a gestão municipal e a empresa Juvanete Barreto Freire, de São Paulo.

Essa aquisição dos respiradores também é alvo de uma investigação feita pela Polícia Federal. Nesta quinta-feira (28), a PF deflagrou a segunda fase da Operação Apneia, realizando buscas na sede da prefeitura e na casa do secretário de Saúde da capital, Jaílson Correia, que teve o celular apreendido, segundo o assessor de comunicação da corporação Giovani Santoro.

A aquisição dos respiradores foi alvo também de questionamentos do Ministério Público de Contas (MPCO). Por causa disso, a prefeitura disse, na sexta (22), que a empresa Juvanete Freire havia desistido do negócio.

De acordo com o Ministério Público Federal estão sendo apuradas irregularidades na Juvanete Freire, que tinha cadastramento na Receita Federal com o nome fantasia de Brasmed Veterinária.

O Grupo de Combate à Corrupção do MPF apontou dispensa de licitação de R$ 4,3 milhões e a existência de dois termos aditivos: um de R$ 2,1 milhões e o outro, de R$ 5,1 milhões.

Ainda de acordo com o MPF, a empresa não tem funcionário nem veículo próprio. Além disso, receberia mais de R$ 11 milhões para vender respiradores para o Recife.

O MPF aponta, ainda, a partir de informações do MPCO de Pernambuco, que o procurador da empresa no estado, Adriano César Lima Cabral, teria vínculos com pessoas de cargos de confiança em órgãos da administração estadual.

Isso teria levantado a suspeita, segundo o MPF, a suspeita de Adriano seria “o verdadeiro vendedor dos respiradores” e a Juvanete Barreto Freire, “a empresa laranja”.

O MPF afirma também que, depois do início das apurações do MPCO, a administração pública alterou a fonte de recursos relacionada a compra dos ventiladores pulmonares.

Financiamento

Um dos questionamentos do MPF tem relação com a compra de 35 respiradores, efetuada no dia 20 de abril. Os equipamentos foram adquiridos com dinheiro do Fundo Municipal de Saúde, que é do SUS e, por isso, a fiscalização pode ser feita pelo governo federal.

A procuradoria também que saber os motivos pelos quais a prefeitura teria mudado a fonte pagadora, indicando o Programa Federal de Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento (Finisa), que é de responsabilidade da Caixa Econômica Federal (CEF).

No documento, a procuradora Sílvia Regina aponta que isso seria uma “tentativa por parte dos gestores do município do Recife de desvincular os gastos relacionados ao SUS”.

Segundo o documento, nesse caso, a “fiscalização dos recursos do sus é feita por órgãos especializados como o Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) e da Controladoria-Geral da União”.

Desistência

O MPF informou que entrou com outra ação na Justiça. O objetivo é investigar a desistência do negócio entre a Juvanete Freire e a prefeitura. A informação foi repassada pela administração municipal, na sexta-feira (22).

De acordo com a prefeitura, a empresa justificou que a desistência da venda dos respiradores ocorreu por causa das denúncias e porque a “imagem da empresa estava sendo prejudicada”. Também alegou que “os contratos de R$ 11,5 milhões foram desfeitos de forma amigável”.

O MPF quer, agora, que o governo federal participe da fiscalização dos contratos de aquisição e da vistoria dos ventiladores devolvidos pela Secretaria de Saúde do Recife.

No sábado (23), a Bioex informou que desistiu de fornecer respiradores pulmonares ao Recife “com o único intuito de preservar a idoneidade da empresa”.

Devolução

Ainda de acordo com o MPF, a procuradora da República estranhou a devolução de todos os 35 respiradores menos de 24 horas depois do ingresso da ação na Justiça Federal. O Ministério Público Federal disse que os aparelhos foram devolvidos a Adriano César de Lima Cabral, responsável pela empresa no estado.

O MPF disse que a rapidez da devolução dos aparelhos “dificultou o trabalho de fiscalização, inviabilizando a análise técnica, de qualidade e preço dos ventiladores pulmonares”.

O órgão informou que os atos foram praticados pelos agentes públicos municipais em 22 de maio de 2020 e “não só obstruíram os trabalhos de fiscalização dos órgãos de controle, como impediram o cumprimento de tutela de urgência pelo MPF”.

Ainda no documento, a procuradora Sílvia Regina disse que a gerência de monitoramento de infraestrutura do Recife reconheceu, para justificar o cancelamento do contrato, que os ventiladores pulmonares eram “inservíveis” e foram comprados “sem os necessários requisitos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Respostas

Sobre questionamentos feitos pela TV Globo a respeito dos motivos pelos quais os respiradores comprados não foram colocados em uso, por meio de nota, a prefeitura do Recife disse que “estava aguardando a empresa comprovar a homologação do respirador na Anvisa”.

Diante da pergunta a respeito do processo de compra e devolução dos respiradores, o município disse que “como é do conhecimento público, o mercado global de respiradores pulmonares está saturado. O preço oferecido pela empresa, R$ 21,5 mil, foi o mais barato entre todas as compras, que foi cancelada”.

A prefeitura também justificou o pagamento dos respiradores e a possível troca da fonte financiadora. O município disse que “o único pagamento realizado foi integralmente devolvido pela empresa à prefeitura. Esse pagamento foi realizado com recursos próprios e não envolveu recursos federais. Em nenhum momento, ocorreu a utilização ou até mesmo a programação de utilização de recursos federais nessa compra. Mesmo assim, a prefeitura nunca se negou a enviar documentos ou prestar informações ao MPF”.

Sobre a alegação do MPF a respeito da devolução dos equipamentos, a prefeitura alegou que “com o cancelamento do contrato e a devolução do pagamento pela empresa, não havia motivo para os respiradores ficarem com a prefeitura”.

TV Globo perguntou ao município onde estavam os respiradores e a prefeitura disse que “eles foram devolvidos à empresa no dia 22 de maio”.

Sobre o inquérito do MPF, que fala em superfaturamento e lavagem de dinheiro, a gestão municipal afirmou que “notícias na imprensa mostram preços até 10 vezes maior em compras em outros estados. O valor pago foi integralmente devolvido pela empresa à prefeitura”.

Empresa

A empresa Juvanete Barreto Freire, por sua vez, disse que agiu “dentro de toda transparência que o negócio jurídico pede” e que, “de forma bem severa, esta sendo apontada como empresa do Ramo Veterinário e Pet Shop de bairro, sendo impossibilitada de realizar a venda, o que não condiz com a verdade”.

A empresa também disse que tem certidão junto à Receita Federal e que “a validade da certidão apresentada foi inclusive prorrogada para o mês de julho deste ano. Desde sua constituição a forma de atuação é definida como empresa sem sede fixa”.

Juvanete Barreto Freire também disse que “todos os pontos ditos são possíveis de comprovação contrária e assim será feito tão logo haja possibilidade de acesso aos autos processuais e também ao inquérito policial” e que o intuito da empresa é “tão somente de colaborar com as autoridades no que for pertinente”.

Já a fabricante do ventilador Pulmonar BR 2000, a Bioex Eequipamentos Médicos e Odontológicos LTDA, “declara que tem condições físicas e possibilidades técnicas para desenvolver sua atividade como fabricante do equipamento” e que possui “todas as licenças pertinentes a atividade e em relação ao ventilador BR 2000, toda documentação necessária tramita de forma legal”.

Sobre testes realizados em suínos, a empresa disse que “nada foge do padrão estabelecido por normas técnicas, pois impossível seria avaliar o equipamento diretamente no ser humano, colocando este em risco”, e que “o teste foi realizado e a eficácia do equipamento comprovada”.

A equipe da Bioex disse que “tem orgulho de poder projetar e fabricar um produto que esta sendo essencial no salvamento de vidas nessa pandemia que nos assombra, e um equipamento 100% nacional”. A busca e apreensão, segundo a empresa, permitiu a Policia Federal “conhecer a empresa de uma forma geral, presenciando o que somos dentro da realidade”.

Por fim, a Bioex disse que anúncios de venda feitos pela internet “não são autorizados pela fabricante” e que prefere não se manifestar sobre “atitudes praticadas pela prefeitura municipal do Recife”.

G1 e a TV Globo tentaram contato com Adriano cear de Lima e não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

Polícia Federal fez buscas e encontrou 25 respiradores em galpão de empresa — Foto: Divulgação/PF
Polícia Federal fez buscas e encontrou 25 respiradores em galpão de empresa — Foto: Divulgação/PF

Operação Apneia

A segunda fase da Operação Apneia, da PF, ocorreu nesta quinta-feira (28). Ela faz parte de uma ação conjunta com o Ministério Público Federal (MPF) e Controladoria Geral da União (CGU).

Foram cumpridos mandados de busca e apreensão nos estados de São Paulo, na sede da empresa Juvanete Barreto Freire, que vendeu os respiradores, e Pernambuco. No Recife, os mandados foram para os bairros do Recife, onde fica a prefeitura, e do Espinheiro, onde mora o secretário de Saúde.

Segundo as investigações, empresas com débitos com a União superiores a R$ 9 milhões se utilizaram de uma microempresa “fantasma”, que estava no nome da ex-companheira do proprietário de fato. A PF constatou que a firma não existe em seu endereço de cadastro, além de não ter funcionários ou bens em seu nome.

Na primeira fase, deflagrada em sigilo na segunda-feira (25), a PF constatou que, dos 35 respiradores devolvidos pela prefeitura para a empresa fornecedora, apenas 25 se encontravam no depósito localizado no Recife, tendo os demais sido comercializados.

Na sexta-feira (22), a PF solicitou que a prefeitura apresentasse documentos sobre dispensa de licitação para a compra de máscaras cirúrgicas, toucas, aventais descartáveis e camas hospitalares para as ações contra o novo coronavírus.

Segundo a corporação, a administração municipal assinou contratos, de mais de R$ 15 milhões, com a empresa Delta Med.

Via G1 Pernambuco

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