Maioria vota pela continuidade do inquérito das fake news; STF conclui julgamento nesta quinta

Inquérito foi instaurado pelo próprio Supremo Tribunal Federal para apurar difusão de informações falsas e ameaças a ministros. Partido moveu ação que questionou legalidade.

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou nesta quarta-feira (17) maioria de votos favoráveis ao prosseguimento do chamado “inquérito das fake news”, aberto no ano passado por iniciativa do próprio tribunal, a fim de apurar a disseminação de informações falsas e ameaças a ministros.

Oito dos 11 ministros já votaram a favor da validade do inquérito. Faltam os votos de Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Dias Toffoli. O julgamento será retomado na sessão desta quinta.

O tribunal analisa uma ação que contesta a legalidade da investigação, apresentada em 2019 pelo partido Rede Sustentabilidade. Há três semanas, o próprio partido apontou uma escalada da difusão de fake news e pediu a extinção da ação. Mas o relator do processo, ministro Edson Fachin, rejeitou o pedido e decidiu remeter o caso para o plenário do Supremo.

Foi no âmbito desse inquérito que o ministro Alexandre de Moraes autorizou uma operação, em maio deste ano, de buscas e apreensões contra empresários e blogueiros ligados ao presidente Jair Bolsonaro.

Para Moraes, há provas que apontam para a “real possibilidade” de uma associação criminosa ter sido formada para a disseminação das fake news. Ele afirmou ainda que as informações falsas afetam a independência entre os poderes e põem em risco a democracia.

Os votos

O julgamento começou na semana passada com o voto do ministro Edson Fachin. Ele defendeu a continuidade da investigação, desde que acompanhada pelo Ministério Público e que advogados tenham acesso aos autos e observe a liberdade de expressão.

Na sessão desta quinta, Fachin retirou essas premissas, sob o entendimento de que já estão sendo cumpridas no âmbito do inquérito das fake news. Esse entendimento foi acompanhado nos demais votos.

Primeiro a votar na retomada do julgamento, nesta quarta-feira, Alexandre de Moraes acompanhou o relator, afirmando que esse tipo de inquérito é previsto no regimento, que estabelece “expressamente” a possibilidade de instauração de procedimento investigatório pelo presidente do STF. “Texto expresso”, afirmou.

Moraes citou caso de um artefato que explodiu em frente à casa de um dos ministros, “para que se pare de uma vez por todas de se fazer confusões de críticas, por mais ácidas que sejam, que devem existir e continuar, com agressões, ameaças e coações”.

Ele leu trechos de ameaças que estão no inquérito:

  • “’Que estuprem e matem as filhas dos ordinários ministros do STF’. Em nenhum lugar do mundo isso é liberdade de expressão. Isso é bandidagem, criminalidade. Postado por uma advogada do Rio Grande do Sul, incitando o estupro”.
  • “Quanto custa atirar à queima roupa nas costas de cada filho da p… de ministro do STF que queira acabar com a prisão em segunda instância. Se acabar com a segunda instância, só nos basta jogar combustível e tocar fogo do plenário com os ministros dentro. Onde está aqui a liberdade de expressão?”
  • “Já temos em poder armas e munição de grosso calibre. Esconda seus filhos e parentes bem escondido na Europa, porque aqui não vai ter onde se esconder. Faremos um tribunal em praça pública com direito ao fuzilamento de todos os parasitas e vagabundos estatais.”

O ministro defendeu que a investigação é “mais que um direito, é um dever” do presidente do STF contra “fatos orquestrados com intuito de intimidar e deslegitimar o papel da Corte”.

“Coagir, atacar, constranger, ameaçar, contra o Supremo, contra seus familiares, magistrados, é atentar contra a Constituição, a Democracia e o Estado de Direito”, afirmou.

Terceiro a votar pela legalidade do inquérito, Luís Roberto Barroso defendeu que o exercício de liberdade de expressão não é infração à lei penal, por isso, não é alvo do inquérito.

“A livre circulação de ideias, de fato e de opinião é pressuposto do exercício de múltiplas liberdades”, disse.

“É preciso não confundir liberdade de expressão com outros comportamentos”, afirmou Barroso. “A democracia não tem espaço para a violência, para as ameaças e para o discurso de ódio. Isso não é liberdade de expressão. Isso tem outro nome, se insere dentro da rubrica maior que é a criminalidade.”

Barroso disse que o inquérito é a legítima defesa do STF e que “nenhuma sociedade civilizada pode tolerar esse tipo de conduta, esse tipo de desrespeito às instituições e as pessoas”.

“Juiz tem que ser independente, tem que poder julgar sem medo, medo pessoal, medo pela sua família. Juiz não exerce poder em nome próprio, exerce poder em nome da sociedade, sob a Constituição, para fazer o que é certo. Juiz não tem amigo ou inimigo, nem adversário, nem aliado. A lógica do juiz é do certo ou errado, justo ou injusto, legítimo ou ilegítimo”, afirmou o ministro.

Segundo Barroso, “uma das características do pensamento fascista é a inaceitação do outro, é a crença de que existam donos da verdade”, e que, “na democracia, a verdade não tem dono”.

A ministra Rosa Weber disse que há precedentes desse tipo de investigação no âmbito dos três poderes e que o tema das fake news tem sido alvo de preocupação geral.

Segundo Rosa Weber, a desinformação divulgada em larga escala passou a influenciar a sociedade nos mais diversos temas, produzindo um choque de realidade sobre a dimensão do problema.

“Nos vemos às voltas com ataques sistemáticos que em absoluto se circunscrevem a críticas e divergências abarcadas no direito de livre expressão e manifestação assegurados constitucionalmente. Antes, ameaças destrutivas as instituições e seus membros com a intenção de desmoralizá-las”, afirmou.

Segundo Rosa Weber, ataques deliberados e destrutivos ao Supremo e seus membros, com pretensão ao seu fechamento, longe de traduzir exercício da liberdade do direito de expressão, “revelam não só absoluto desapreço à democracia e total incompreensão ao que ela representa, como também em seu extremo de ameaças graves,, configuram crimes”, completou.

O ministro Luiz Fux afirmou que o poder jurisdicional é o poder “também de aferir a existência de crimes, principalmente em defesa da jurisdição”.

“Não é estranhável que o juiz diante de fatos gravíssimos que o juiz não possa atuar de ofício para depois remeter os autos ao Ministério Público.”

Fux afirmou que os atos praticados são gravíssimos à dignidade da Corte e da Democracia. “Estamos aferindo atos gravíssimos que se enquadram no Código Penal, na Lei de Segurança Nacional, na Lei de Organizações Criminosas e são atos equiparados ao terrorismo”, afirmou.

“É o germe inicial da instalação no Brasil de atos de terrorismo contra a Corte, visando a levar o terror, no afã de fazer com que os juízes percam aquilo que é a essência de sua jurisdição, que é a sua independência”, afirmou.

“Temos que matar no nascedouro esses atos abomináveis que estão sendo praticados contra o STF. Dar um basta nesses atentados à dignidade da Corte, é nosso dever de ofício coibí-los.”

Sexta a apresentar o voto, a ministra Cármen Lúcia também se manifestou pela validade do inquérito, formando maioria para dar continuidade às investigações.

“Liberdade de expressão é gênero de primeira necessidade na democracia. Liberdade de imprensa é artigo imprescindível na cesta básica dos direitos fundamentais”, afirmou.

Segundo a ministra, “liberdade rima juridicamente com responsabilidade, mas não rima com criminalidade, menos ainda com impunidade de atos criminosos”.

“Não é parte desse inquérito, nem poderia, qualquer expressão livre do que se pensa, mas os atos que atentam contra as instituições”, completou.

Para a ministra, “discursos de ódio, de destruição do estado democrático, falas de incitação a crime, são contrários ao direito, aos valores da dignidade humana, da pluralidade democrática e não é uma ou outra pessoa, um ou outro juiz que não a suporta, é o sistema constitucional que não a permite”.

O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que cabe ao presidente do STF, com responsabilidade “intransferível”, zelar pela segurança dos membros da Corte.

Lewandowski disse que não se verificou, ao longo do inquérito, nenhum impedimento de acesso ao Ministério Público ou aos advogados.

Sobre o sigilo, o ministro afirmou que foi determinado para garantir o êxito da coleta de provas e também para proteger a própria privacidade dos investigados, como reza a Constituição.

O ministro Gilmar Mendes também acompanhou o relator. Ele afirmou que a disseminação de notícias falsas foi considerada um problema maior do que o terrorismo e deve ser compelido pelo Supremo.

“A divulgação massiva de notícias falsas não é enfrentada apenas pelo estado brasileiro”, disse o ministro. “Estamos no meio de um ataque mundial com base na internet às democracias, na qual a primeira baixa é a confiança no regime democrático.”

Segundo Gilmar Mendes, no Brasil, houve “peculiaridades”, como o processo relativo ao disparo em massa durante o processo eleitoral de 2018 e que gerou divulgação ameaças, injúrias e calúnia à ministra Rosa Weber, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Além de notícias falsas sobre a urna eletrônica.

O ministro afirmou que, atualmente, novas “câmaras de ego” geradas pelas redes sociais e seus algoritmos criam “suspeitas delirantes”.

“Não se trata de liberdade de expressão. O movimento orquestrado de robôs, recursos e pessoas para divulgar de forma sistemática ameaças ao STF, seus ministros e familiares passa longe da mera crítica ou manifestação de opinião. Trata-se de movimento organizado e orquestrado que busca atacar um dos poderes responsáveis pelos poderes fundamentais e das regras do jogo democrático”, afirmou.

Mendes disse ainda que as ameaças a ministros do Supremo não foram totalmente apuradas pela Procuradoria Geral da República, o que valida a instauração do inquérito de forma excepcional pela Corte.

“Nos últimos anos, até membros do MP têm desferido críticas expressas aos ministros do Supremo em meios de imprensa”, disse.

Via G1 Política

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