Lula precisa decidir se quer buscar soluções para o país ou deixar para quem queira

Quem tem R$ 63 mil para comprar um carro não o compra, hoje, porque ele custa R$ 70 mil?

Essa pergunta precisava ser feita por Lula (PT) antes de lançar o tal do incentivo para o carro popular, com isenção de 11% nos impostos, como se fosse a grande solução que faria o consumidor com dificuldades para comprar comida no supermercado correr para a concessionária em busca de um carro zero quilômetro.

As vendas podem até aumentar um pouco, inicialmente, mas não haverá o impacto que o governo e a indústria esperam. Não há, também, nada que indique um aquecimento estupendo do setor que recupere o nível de empregabilidade que outras iniciativas desse tipo geraram no passado.

Mas a medida abre uma discussão sobre a maneira como Lula enxerga os problemas e sobre o repertório dele para encontrar soluções no posto em que se encontra. O mundo discute, atualmente, se já estamos ou não vivendo dentro da indústria 5.0, com interação efetiva, e de impacto no mercado, entre seres humanos e inteligência artificial.

E o presidente da República é 2.0. Ele tem soluções para uma realidade completamente diferente da que vivemos. Reduzir impostos é importante, essencial, mas fazer isso sem uma estratégia mais complexa do que o simples “tô dando desconto, contrate gente” é algo que não vai funcionar.

A receita de Lula foi usada antes por Juscelino Kubitschek, por Itamar Franco e pelo próprio petista em governos anteriores. Estamos falando de um script utilizado há mais de seis décadas. Eram outras épocas.

Não se trata de idade, é bom que se diga. Lula estar perto dos 80 anos não faz dele alguém ultrapassado. O que faz alguém ficar ultrapassado é a disposição (e a falta dela) para buscar soluções inovadoras. Há, no Brasil, empreendedores bem mais velhos do que Lula com visão de mundo muito mais atualizada.

O problema é que o ser humano comum vive e sobrevive de seus repertórios. Mas alguns sobrevivem de seus repertórios enquanto se cercam de novos aprendizados para acompanhar o ritmo do mundo. Estes não são nada comuns, são extraordinários.

Lula já foi extraordinário em diversos aspectos. A questão, compreensível, é que ser extraordinário é extenuante e o cansaço acaba fazendo com que o sujeito se acomode naquilo que já viu dar certo antes.

Precisa gerar empregos? Dá incentivo às montadoras. A economia está lenta? Baixa os juros básicos. Não dá pra usar a internet em seu favor? Controla ela por lei e pronto.

Nada disso dá certo, mesmo tendo funcionado no passado. Acontece que, nas ruas e na cultura do brasileiro jovem, o carro não tem mais um lugar de grande importância. Quando não há qualquer alternativa de transporte, o carro próprio é visto apenas como um mal necessário. Isso se tiver dinheiro pra comprar o veículo. Não adianta baixar preço para comprar um carro se a cultura do uso, e não da posse, é a majoritária para toda essa geração.

Outras soluções apresentadas por Lula nos primeiros meses de governo também chamam atenção negativamente. Aquecer a economia artificialmente com queda forçada nos juros não resolve nada. Vai provocar inflação e gerar uma crise com dimensões argentinas no Brasil. Na prática, quem come mal hoje, vai comer melhor por alguns semestres e passar fome em seguida.

Outra ideia de solução, a tentativa de pôr rédeas na internet, foi desastrosa para a imagem do governo até agora e o projeto terá que ser fatiado, discutido e votado aos pedaços para ser salvo.

E disso vem a “hipótese do cansaço”, em voga na Esplanada dos Ministérios e na Praça dos Três Poderes. O comentário em Brasília é que Lula não parece à vontade para desatar esses nós. Dizem que ele trata tudo com impaciência, como se achasse os problemas enfadonhos demais. Se não pode resolver do jeito que ele acha que pode resolver, acaba desanimando.

Bolsonaro (PL) também largou o governo pelo caminho e praticamente deixou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), governando, quando percebeu que o trabalho era chato, cansativo e que não tinha o poder que imaginava para fazer o que bem entendesse.

Lula terá que decidir se está disposto a se esforçar e tentar ser extraordinário por mais alguns anos, discutindo e buscando soluções inovadoras para o país. Caso contrário, deveria deixar para quem queira.

Via Jornal do Comércio.

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