Influenciadores são usados como isca para enganar brasileiros que sonham viver em Portugal

Muitas pessoas cruzaram o Atlântico certas de que encontrariam o eldorado pela frente. Mas, tão logo desembarcaram, viram que a realidade era muito diferente do mundo glamouroso vendido por meio da internet

Lisboa — O incêndio que matou, no início do mês, dois indianos — um deles, de 14 anos — que viviam em situação precária no bairro da Mouraria, reduto de estrangeiros na capital portuguesa, acendeu o sinal de alerta entre representantes do governo brasileiro em Portugal. Há uma legião de cidadãos oriundos do Brasil em situação de vulnerabilidade, ocupando irregularmente imóveis caindo aos pedaços, que, a qualquer momento, podem ser consumidos pelo fogo ou mesmo desabar. Muitas dessas pessoas cruzaram o Atlântico certas de que encontrariam o eldorado pela frente. Mas, tão logo desembarcaram, viram que a realidade era muito diferente do mundo glamouroso vendido por meio da internet. “São vítimas dos coiotes digitais“, afirma o embaixador do Brasil em Portugal, Raimundo Carreiro.

A expressão usada por ele remete aos coiotes mexicanos, que levam imigrantes ilegais para os Estados Unidos, numa perigosa travessia pelo deserto. “Em Portugal, o que vemos são pessoas oferecendo facilidades por intermédio das redes sociais, muitos deles jovens, criando a falsa ideia de que tudo no país europeu é fácil”, diz o embaixador. São youtubers, ou influenciadores digitais, que aparecem com carros do ano, casa, roupas de grife, dizendo que conquistaram tudo em território luso sem grandes esforços. Na verdade, as postagens escondem uma farsa. Com essa imagem de vencedores, oferecem passagens, estadia, empregos e advogados para regularizar documentos. As pessoas pagam caro por isso, muitas chegam a vender tudo o que têm no Brasil. Tão logo chegam a Portugal, descobrem que foram enganadas.

Investigações

A farra desses coiotes digitais está tão grande, que o governo português abriu uma série de investigações contra os influenciadores, não só brasileiros, pois os crimes estão disseminados. Estima-se que pelo menos 22 youtubers do Brasil estejam na lista dos suspeitos. Ao Correio, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) informou, por nota, que não é possível quantificar quantos processos estão em andamento. “Ainda que o SEF tenha sob investigação casos de auxílio à imigração ilegal e de associação de auxílio à imigração ilegal, em que os suspeitos recorrem à internet, nomeadamente às redes sociais, não nos é possível quantificar esses casos nem informar sobre a nacionalidade e o perfil profissional dos suspeitos.”

Para o embaixador, é preciso que as autoridades brasileiras se engajem, urgentemente, no combate aos coiotes digitais, não apenas punindo aqueles que cometem crimes, mas, também, fazendo amplas campanhas para esclarecer os riscos da imigração. Esse movimento, acredita Carreiro, deveria ser encampado pelas empresas aéreas, com alertas frequentes para os viajantes. Apenas em janeiro, mais de mil brasileiros recorreram à Organização Internacional para as Migrações (OIM) pedindo ajuda para retornar ao Brasil. Estavam passando fome.

Indústria da fraude

O que se vê em Portugal é uma indústria para ludibriar imigrantes, acredita Elisângela Rocha, presidente do coletivo Diáspora sem Fronteiras. “Infelizmente, aqueles que caem nas garras dos coiotes digitais são enganados e acabam em situações muito difíceis”, ressalta. Na opinião dela, os casos são muito maiores do que os divulgados, pois boa parte das pessoas fisgadas pelos golpes da internet não denunciam os crimes, por medo.

“Acabamos de atender a um casal, com uma filha, que desembarcou em Portugal por meio de um youtuber. A promessa feita era de que marido e mulher teriam emprego e casa para morar. Orientamos aos dois que denunciassem o caso e fizessem o retorno voluntário para o Brasil, mas não quiseram”, conta.

Elisângela diz que, com a inflação alta e a falta de moradias, a desilusão se tornou marca entre muitos brasileiros, mesmo aqueles que residem em Portugal há mais tempo. “São mais de 100 mil brasileiros à espera da documentação do governo português. Esses vivem precariamente, pois tornaram-se reféns do subemprego e de moradias insalubres.”

Os indocumentados sequer podem receber auxílios financeiros do Estado português, afirma a presidente do Diáspora. No ano passado, por causa da carestia, o governo decidiu pagar 125 euros (R$ 700) às famílias mais vulneráveis. “Praticamente nenhum brasileiro irregular recebeu essa ajuda. É pouca, mas faz a diferença para quem está em situação complicada”, frisa. Há imigrantes — muitos brasileiros — morando em cortiços. Num único imóvel, é possível encontrar até 50 pessoas. No que pegou fogo, na Mouraria, havia 22 estrangeiros.

Advogados dizem que as leis portuguesas de imigração são mais generosas que as de muitos países. Mas, em vez de se submeterem à burocracia, os estrangeiros preferem acreditar nas facilidades oferecidas por criminosos, porque ouviram falar de alguém que se deu bem. “Os golpes da imigração se multiplicaram nos últimos dois anos porque houve muita gente disposta a burlar as regras”, diz um advogado que acompanha as investigações feitas pelo SEF.

Isso, inclusive, incentiva a xenofobia, ressalta Elisângela, lembrando do caso de um cidadão nepalês que foi agredido em Olhão, no Algarve, em janeiro. O caso levou o presidente Marcelo Rebelo de Souza a pedir desculpas públicas a todos os imigrantes que moram em Portugal.

Via Diario de Pernambuco.

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