Exposição exibida Floresta, do pernambucano Carlos Mélo, que reflete sobre vestígios da morte, agora está em Olinda

Segundo o viés da psicanálise das artes plásticas, toda obra traz consigo o intuito básico do embalsamento, ao preservar algo contra os males do tempo e da degradação. Por outro lado, foi com o objetivo de romper com esse receio e aceitar o fenômeno da morte que o artista pernambucano Carlos Mélo desenvolveu sua nova exposição, Ver_me, inaugurada na última quarta-feira (14).

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A série, que fica aberta a visitações até 17 de outubro, está montada na galeria 02 do Centro Cultural Mercado Eufrásio Barbosa, em Olinda. A instalação é o resultado do edital de ocupação do espaço promovido pela Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (AD Diper) e traz três peças: uma escultura de ossos, um painel de neon que expõe o nome da mostra e um díptico de desenhos, de quando Carlos foi vencedor do Prêmio Marcantônio Vilaça de Artes Plásticas em 2006.

O projeto, que surgiu no início da pandemia, faz em seu título um jogo de palavras e flexões semânticas, levando a refletir tanto sobre “ver a si mesmo” como sobre o símbolo do “verme”, que causa a renovação dos corpos. Já os desenhos integram a série Abismos, na qual são representados esqueletos, microfones, cabelos e flores.

Contudo, o que chama mais a atenção é inevitavelmente o grande pilar ósseo no meio da galeria. Advinda da série Sobre-Humanos, a obra tem 2,3m de comprimento e utiliza ossos bovinos entrelaçados, causando diferentes reações do público. “A princípio há um estranhamento, as pessoas não sabem se aquilo é osso de verdade ou de qual animal. Tem muita gente que vê diretamente essa questão da morte, mas tem quem ache que é o esqueleto de um ser estranho, que não existe”, conta Carlos.

Essa, porém, não é a primeira vez que o artista trabalha com tal matéria-prima. Carlos já levou a técnica em seus últimos trabalhos, desde a feira Zona Maco no México, até a comunidade quilombola Barro Branco em Belo Jardim, Agreste de Pernambuco. Para ele, mesmo que contraditório, o osso tem o potencial simbólico para nos lembrar do real e vivo. “É um tipo de matéria-prima que sequestra muito a nossa percepção para algo que escapa do nosso cotidiano, que está dentro de todos nós. É a estrutura do nosso corpo e este é o ponto central da minha obra”.

Discussão 

Aqui, o material é usado como representação da ideia de vestígios e de parte natural do fluxo da vida. Como descreve o curador Allan Yzumizawa: “Carlos Mélo nos faz enfrentar e aceitar a coexistência dos polos: vida e morte. Desse modo, por meio do contexto atual em que somos atravessados por uma pandemia, a exposição torna-se uma meditação sobre a vida e o luto, em respeito ao grande número de perdas de vidas devido à má gestão do Governo Federal”.

A correlação com a morbidez dos dias atuais não é apenas coincidência, mas uma defesa do idealizador para que a arte também questione tais temas. “Discute-se no campo da ciência e da política. Por que não discutir essa questão de vida, de morte, de vírus e de crise sanitária também na arte? Ela é uma plataforma muito eficiente de discussão e acho que tem a função de criar esses confrontamentos”, indaga Carlos.

Ainda na próxima semana, o artista irá inaugurar uma outra exposição em São Paulo, na galeria Kogan Amaro. Com apoio da Lei Aldir Blanc, ele vai levar parte da sua série de esculturas Overlock. A mostra, que reflete sobre o Nordeste industrial e contemporâneo, faz uso de tecidos desenvolvidos por uma comunidade de artesãs em Riacho das Almas, Agreste pernambucano, com resíduos têxteis reciclados de fábricas de jeans que dominaram o interior do estado.

SERVIÇO:

Exposição Ver_me

Quando: Até 17 de outubro

Onde: No Centro Cultural Mercado Eufrásio Barbosa, em Olinda

Via Diário de Pernambuco

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