Entenda o que são as mutações e a relação delas com as vacinas contra a Covid-19

Circulação acelerada favorece o surgimento de novas variantes do Sars-CoV-2

Variante, linhagem, mutação. Termos que nunca fizeram parte do cotidiano da população em geral, mas que, nas últimas semanas, vêm ganhando cada vez mais os noticiários. Mas, afinal, o que são as mutações e como elas têm mexido com o cenário já turbulento da pandemia do novo coronavírus? 

Os vírus são agentes infecciosos que quando entram no hospedeiro precisam se replicar para sobreviver. “A primeira coisa que ele faz é pegar o material genético dele e copiar sem parar”, diz o biomédico, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Pernambuco Marcelo Paiva. 

Quanto mais livre o vírus estiver na natureza, mais ele encontrará pessoas susceptíveis, que são aquelas sem reposta imune, e mais ele se replicará. E, se reproduzindo rapidamente, aumentam as chances de acontecerem as mutações. É como se fosse um “erro na cópia”.

“Imagina que uma pessoa tem que copiar a mesma coisa em centenas de folhas, bem rápido, de forma acelerada. Em algumas folhas, invariavelmente, sairão erros, vai ter algo diferente. O vírus não tem tempo e, quanto mais rápido ele se replica, maiores as chances de acontecerem os erros. É o que acontece na mutação. E elas são inúmeras.”

A partir do Sars-CoV-2 que foi identificado na China entre o final de 2019 e o início de 2020, já foram detectadas mais de 700 mil linhagens e milhares de variantes.

Existe um banco de dados mundial onde são registrados esses dados e, a cada nova detecção, é possível acessar esse sistema para comparar em que outro lugar do mundo aquele determinado genoma tenha sido também identificado. 

“Linhagem viral é um grupo de vírus que têm algumas mudanças, mas são parecidos entre si. Como se fossem parentes, primos de primeiro e segundo grau, têm alguma correlação. Variante é quando um desses vírus sofre uma mutação específica que o torna diferente dos demais. Em Manaus, a gente claramente observa essa variante”, explica Marcelo Paiva, citando a variante recém-identificada no Norte do Brasil e já “exportada” para outros países. 

Alemanha, Itália, Estados Unidos e Japão são algumas das nações que, até agora, reportaram pacientes diagnosticados com essa variante, denominada provisoriamente de B.1.1.28 (K417N / E484K / N501Y). Ela é uma variante da linhagem B.1.1.28, que circula no Brasil, provavelmente, desde fevereiro de 2020, assim como a linhagem B.1.1.33. 

Sequenciando o vírus
As nomenclaturas das variantes não são conjuntos de letras e números postos de forma aleatória. Elas carregam informações sobre o tipo da mutação identificada e em que parte da estrutura do vírus ela ocorreu. 

Esse detalhamento é possível a partir do sequenciamento genético, que é a leitura do genoma de um organismo. Todos os organismos vivos são compostos por DNA ou RNA. Eles são formados por um conjunto de letras (bases nitrogenadas) que funcionam como um código (palavras). 

“Temos mais de 780 mil linhagens virais do novo coronavírus e milhares de variantes. Por que só três estão chamando atenção? Porque nem sempre elas são benéficas para o vírus. As mutações são muito comuns, mas a gente não vê o efeito porque são em regiões do vírus sem tanto impacto. Em chances caríssimas, o vírus passa a ganhar mais força ou funções melhores. É quando isso ocorre que a mutação ganha notoriedade, como acontece com as variantes mais recentes”, diz Marcelo Paiva. 
 

A tal proteína S
As variantes recém-identificadas em Manaus, no Reino Unido e na África do Sul têm, em comum, o fato de as mutações terem ocorrido na proteína Spike, responsável pela entrada do vírus na célula humana

Ela se acopla ao nosso receptor ACE2 (enzima conversora de angiotensina 2) e sofre uma divisão para que haja a fusão da membrana viral com a célula ou a endocitose. A partir daí é liberado o RNA que está no interior do vírus. 

“A maior parte dessas mutações mais expressivas acontecem na parte do Spike. E faz delas únicas. Essas variantes citadas têm mutações únicas. A do Reino Unido tem 23 mutações, a da África tem 21 e a de Manaus, 17”, explica o professor e pesquisador. 

Ele diz, ainda, que a mutação ocorrida no Reino Unido tornou mais fácil a entrada do vírus no organismo humano em cerca de 40%. Por isso, se diz que é mais transmissível. Para chegar a essa conclusão, foi necessário aliar os dados epidemiológicos com os estudos em laboratório.

“No Reino Unido, que tem um sistema bom de rastreio, foi observada uma nova linhagem e um número grande de novos casos. Fizeram o questionamento de ‘será que é essa nova linhagem?’. Então passaram a procurar e sequenciar as amostras e observaram que ela era a dominante. Como ela tem maior capacidade de transmissão, as pessoas passaram a se infectar mais com ela do que com outras”, explica. 

Na última semana, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson afirmou que ela também seria mais letal, reportando a relação da variante com aumento no número de óbitos notificados. 

O pesquisador da Fiocruz/PE, no entanto, faz uma observação: “Ela não necessariamente é mais letal, mas, com mais gente doente, tem mais mortes. E ela é, de fato, mais transmissível”. 

E as vacinas?
O papel da proteína S é tão determinante na ação do novo coronavírus que a maioria dos imunizantes já em uso e daqueles ainda em processo de desenvolvimento foca em anticorpos que possam neutralizar justamente a sua atuação. Por isso, têm surgido questionamentos sobre o risco de essas mutações afetarem a eficácia das vacinas. 

“Com as vacinas ofertadas no Brasil, o indivíduo produz resposta para um pedaço do vírus que está dentro da vacina, que é da proteína S. Então a imunidade é gerada para a proteína S. Mesmo que o vírus sofra mutação, ela não afeta totalmente essa resposta. A proteína S tem centenas de letrinhas. A mutação muda algumas, mas não todas. Então a imunidade ainda reconhece. São mutações diferentes que as do vírus da gripe, que os anticorpos da vacina não conseguem reconhecer”, detalha Marcelo Paiva. 

Ele ressalta, ainda, que a infecção natural, ou seja, pessoas que contraíram a Covid-19, não desperta a mesma resposta imune que uma vacina pode proporcionar. E alerta também que, enquanto o vírus continuar circulando, novas linhagens e variantes vão continuar aparecendo. 

Via Folha de Pernambuco

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