Bolsonaro veta repasse de R$ 8,6 bi para estados e municípios combaterem coronavírus

Congresso e representantes regionais articulam derrubada de veto e relator chama presidente de irresponsável

O presidente Jair Bolsonaro vetou nesta quarta-feira (3) o repasse de R$ 8,6 bilhões para governadores e prefeitos combaterem a Covid-19, causando reações de parlamentares e de representantes estaduais e municipais. O dinheiro estava em um fundo gerido pelo Banco Central e que foi extinto por uma MP (Medida Provisória).

O fim do fundo foi pedido pela equipe do ministro Paulo Guedes, que queria usar os recursos para reduzir a dívida pública. No entanto, o Congresso resolveu mudar o destino do dinheiro para o enfrentamento da pandemia.

O governo afirma no Diário Oficial da União desta quarta-feira (3) que a proposta dos parlamentares diverge do ato original, o que violaria os princípios da reserva legal e do poder geral de emenda.

Afirma também que o ato criaria uma despesa obrigatória sem previsões de impacto nos próximos anos, o que também defende ser irregular. O veto foi defendido pelo Ministério da Economia e pela Advocacia-Geral da União.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que o veto surpreendeu deputados.

“A informação dos deputados é que tinha ocorrido um acordo [com o governo], inclusive, para destinação desses recursos”, afirmou Maia nesta quarta.

Agora, segundo ele, cabe ao Congresso convocar uma sessão para analisar o ato de Bolsonaro e decidir se o veto será mantido ou derrubado. Líderes partidários já articulam uma derrota do governo.

Durante as votações da Câmara, nesta quarta, Maia foi cobrado para que articule junto com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a convocação da sessão do Congresso para analisar vetos presidenciais.

O relator da MP na Câmara, Luis Miranda (DEM-DF), disse que a proposta tinha sido costurada em parceria com o governo e aprovada de forma unânime. “Foi extremamente surpreendente. Ele traiu um acordo que fizemos com líderes do governo nas duas Casas”, afirmou.

“Ele [Bolsonaro] é irresponsável, é totalmente descabido tomar uma decisão dessa, além de ser um desrespeito ao Congresso”, afirmou. “Ele não visita hospitais com doentes, mas vai de helicóptero para lanchonete, como se fosse barato. O descaso dele com o momento que estamos vivendo é grande”, afirma.

Para ele, o texto sancionado também pode deixar a destinação dos recursos do fundo em um limbo jurídico por não dizer mais expressamente que o valor em questão vai para o pagamento de dívida.

Caso os recursos ainda não tenham ido para a dívida e continuem disponível na Conta Única, assessores parlamentares dizem que fica criada uma situação que precisaria de estudo jurídico.

Consultado, o Ministério da Economia não se pronunciou até o momento.

O ministro da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, disse no Twitter que o veto ocorreu “para não ferir regras orçamentárias e cometer crime de responsabilidade”. “O dinheiro abaterá dívida pública. Em 28 de maio, o presidente Jair Bolsonaro sancionou R$ 60 bilhões para combate à covid-19, além de diversos créditos ao Ministério da Saúde para esse fim”, escreveu.

Rafael Fonteles, presidente do Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal), afirmou que os estados vão articular com as bancadas a derrubada do veto.

O secretário executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Gilberto Perre, afirmou que a entidade foi surpreendida, inclusive, porque teve reunião no mês passado com o Ministério da Saúde para discutir um passo além ao da proposta, o formato de divisão dos recursos. “Vamos trabalhar para derrubar o veto”, disse.

Para o governo, a medida tinha caráter de urgência por permitir o uso dos R$ 8,6 bilhões disponíveis para abater a dívida. Isso ajudaria, inclusive, o cumprimento da regra de ouro (que tem como objetivo proibir endividamento para pagamento de despesas correntes, como salários e aposentadorias).

O Congresso alterou a medida para que os recursos existentes fossem transferidos integralmente a estados, Distrito Federal e municípios. O valor deveria ser usado para a aquisição de materiais de prevenção à propagação do coronavírus, para proporcionar condições de abertura de estabelecimentos comerciais.

O fundo extinto pela MP é administrado pelo BC e recebia recursos do IOF para ser usado na intervenção nos mercados de câmbio e títulos, além da assistência a bancos (conforme previsto em uma lei de 1966).

O fundo era visto como irregular pelo TCU (Tribunal de Contas da União) porque estava sem objetivo e sem prestar serviço à sociedade após ter seu uso restrito com mudanças legais ao longo dos anos. O próprio órgão determinou ao governo uma solução definitiva para o problema.

Na década de 1980, por exemplo, o fundo deixou de receber recursos. Em 2000, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, ficou vedado o socorro público a instituições financeiras e os recursos dele deixaram de ser usados para esse objetivo.
“Não há porque a administração pública dar continuidade ao exercício das atividades relacionadas à administração do fundo, incorrendo em custos sem qualquer benefício que compense tais custos”, afirmou o governo na exposição de motivos da MP, em dezembro.

Esse é mais um veto que contraria representantes estaduais em menos de um mês. Em maio, Bolsonaro decidiu barrar trecho de projeto de lei que impedia a União de executar garantias dos entes em caso de não pagamento de dívidas deles a bancos internacionais.

Durante as discussões, Bolsonaro se reuniu com chefes dos Executivos estaduais e o governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), pediu que o trecho não fosse vetado. Para os governadores, isso inviabilizaria a suspensão do pagamento das dívidas com organismos multilaterais, que traria um alívio de R$ 10,7 bilhões.

Ao vetar, o presidente escreveu que “o dispositivo, ao impedir a União de executar as garantias e contragarantias das dívidas a que se refere, viola o interesse público ao abrir a possibilidade de a República Federativa do Brasil ser considerada inadimplente perante o mercado doméstico e internacional”.

Via Folha de S. Paulo

Artigos relacionados

Deixe um comentário