Bactérias super-resistentes achadas em colírios têm levado americanos à cegueira e morte; entenda

Contagiosa, a cepa não é tratável com medicamentos comuns e preocupa órgãos de saúde nos EUA

Uma bactéria altamente resistente a medicamentos tem preocupado os órgãos de saúde americanos. Nos últimos meses, foram três mortes, oito casos de cegueira e dezenas de infecções atribuídas ao colírio “EzriCare”, importado da Índia, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).

As ocorrências levaram a uma série de notificações sob a legislação de Proteção ao Consumidor. A Food and Drug Administration, que regula medicamentos de venda livre, interrompeu as importações do produto. Surtos como esses, no entanto, destacam as lacunas regulatórias no controle das importações de medicamentos estrangeiros.

A FDA confirmou que não havia inspecionado a fábrica onde os colírios foram feitos na Índia antes que as infecções fossem relatadas, mas que a agência havia visitado a fábrica, que é operada pela Global Pharma Healthcare.

A agência é criticada há muito tempo por lapsos nas inspeções de fabricação no exterior, sobretudo na China e na Índia, que são os dois principais produtores de medicamentos e matérias-primas para medicamentos. Outros casos de produtos contaminados do exterior incluíram medicamentos para pressão arterial, suspeitos de conter um possível carcinógeno, e lotes mortais de heparina.

A FDA disse que continua trabalhando com o CDC e insiste que os varejistas garantam a remoção dos produtos das prateleiras.

o caso mais recente, os colírios estão ligados a bactérias que são ainda mais resistentes a medicamentos do que bactérias semelhantes que o CDC tem visto em cerca de 150 casos por ano, principalmente nas unidades de terapia intensiva, segundo Maroya Walters, pesquisador principal da equipe de Resistência Antimicrobiana do CDC.

Segundo o médico, a disseminação da nova cepa “realmente pode mudar as perspectivas”.

A bactéria mostrou sinais de propagação no centro de Connecticut, entre pacientes assintomáticos que tiveram a bactéria colonizada em seus corpos. Essa disseminação tende a ocorrer quando os pacientes tocam em itens comuns ou quando os profissionais de saúde transmitem os germes.

A bactéria ligada aos colírios, Pseudomonas aeruginosa, já é uma das principais preocupações dos profissionais de saúde, especialmente entre aqueles com sistema imunológico comprometido, residentes de asilos e pacientes com dispositivos médicos invasivos, como cateteres e tubos respiratórios.

No final de dezembro, o CDC vinculou o EzriCare a um surto que afetou 68 pacientes em 16 estados, incluindo oito pacientes que perderam a visão e quatro que tiveram um globo ocular removido. A FDA não disse quanto do produto fabricado pela Global Pharma Healthcare em Chennai, na Índia, foi importado.

Em 3 de janeiro, a FDA bloqueou as importações da Global Pharma, alegando que a empresa violou as regras de fabricação. Shannon P. Hatch, porta-voz da agência, disse que o alerta de importação não estava relacionado ao surto.

A agência realizou uma inspeção não anunciada na fábrica da Índia de 20 de fevereiro a 2 de março e encontrou uma série de problemas com as práticas de esterilidade da fábrica, de acordo com um relatório de inspeção que foi relatado pela primeira vez pelo STAT News.

Os operadores de salas limpas não eram qualificados para o trabalho e usavam protetores de pés descoloridos e gastos, disse o relatório. Um inspetor notou “uma gordura preta e marrom” em máquinas de uma sala onde os frascos estavam cheios de colírios. Um trabalhador alegou a um inspetor que não havia nenhum procedimento para limpar uma das máquinas de envase.

A Global Pharma não respondeu às perguntas em março. Mas em 1º de fevereiro, a empresa disse que “não havia determinado se a fábrica é a fonte da contaminação”. A EzriCare disse em seu site que comercializava os colírios, mas que não tinha nenhum papel na “fabricação real deste produto”. Wal-Mart e Amazon, entre os maiores varejistas que venderam as gotas, não responderam aos pedidos de comentários.

Clara Elvira Oliva, de 68 anos, usuária de lentes de contato, começou a usar EzriCare Artificial Tears para hidratar os olhos por recomendação do oftalmologista de sua clínica de saúde.

Em uma manhã de agosto, ela acordou e percebeu que seu olho direito estava vermelho, coçando e escorrendo líquido. Alarmada, ela voltou naquele dia ao oftalmologista, que prescreveu gotas de antibiótico. Mas nas semanas que se seguiram, ela disse, a irritação persistiu e sua visão começou a se deteriorar, desconcertando os oftalmologistas que prescreveram uma variedade em constante mudança de antibióticos e antifúngicos.

Durante todo o tempo, ela continuou usando as gotas EzriCare em ambos os olhos.

No final de agosto, a infecção em seu olho direito havia se tornado tão grave que os especialistas disseram que ela precisaria de um transplante de córnea. Após a operação, ela foi informada de que o olho estava tão devastado pela infecção que os médicos não tiveram escolha a não ser removê-lo.

“Desde aquele dia, minha vida nunca mais foi a mesma”, disse Oliva, uma cosmetologista aposentada que mora com o filho em Miramar.

No final de dezembro, o CDC havia testado 23 frascos abertos de colírios. Onze dos frascos de EzriCare continham bactérias, e sete deles correspondiam à cepa do surto. Embora a descoberta não seja uma prova definitiva de que a bactéria veio da garrafa e não do contato com um olho infectado, a evidência foi convincente, segundo o médico responsável.

Para Dona Oliva, a visão do olho esquerdo, já comprometida por cicatrizes, continua piorando, dificultando dirigir, cozinhar e ler. Insegura nos pés, ela evita sair.

“Às vezes eu esbarro nas pessoas porque não as vejo, mas elas acham que não estou prestando atenção” explica.

O médico Vicente Diaz, chefe de oftalmologia do Yale Health Plan, em Connecticut, e especialista em doenças infecciosas, teme que, se os médicos usarem antibióticos ineficazes por muito tempo, “isso dará à bactéria mais tempo para se multiplicar e se tornar mais agressiva”.

As gotas EzriCare não contêm conservantes, outro fato que o Dr. Diaz achou preocupante. Ele disse que nunca tinha visto um produto ocular reutilizável sem conservantes ou outros recursos de segurança para limitar o crescimento bacteriano. Colírios sem conservantes geralmente vêm em frascos de uso único, devido ao risco, disse ele.

“Estou surpreso de que a formulação foi autorizada a entrar no mercado sem mais minúcia.”

Via Folha de Pernambuco.

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