Audiência do Caso Miguel: ‘querem culpar Miguel pelo que aconteceu’, diz mãe de menino que morreu após cair de prédio

Criança estava aos cuidados de Sarí Corte Real, acusada de abandono de incapaz que resultou em morte com agravantes. Ré e duas testemunhas de defesa foram ouvidas nesta quarta (15).

Uma nova audiência de instrução e julgamento da morte de Miguel Otávio, menino de 5 anos que caiu de um prédio de luxo em junho de 2020 no Recife, aconteceu nesta quarta-feira (15) na capital pernambucana. Ele estava aos cuidados de Sarí Corte Real, ré que era primeira-dama de Tamandaré e é ex-patroa da mãe da criança, a ex-empregada doméstica Mirtes Renata.

Sarí é acusada por abandono de incapaz que resultou em morte, com agravantes de cometimento de crime contra criança e em ocasião de calamidade pública (pandemia da Covid-19).

Segundo o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), ela e duas testemunhas de defesa foram ouvidas nesta quarta-feira na 1ª Vara de Crimes contra a Criança e o Adolescente da Capital, localizada no Centro Integrado da Criança e do Adolescente, no bairro da Boa Vista, na área central do Recife.

Para Mirtes, essa audiência já deveria ter ocorrido. “Um ano e três meses da morte de Miguel e agora que vai se encerrar a fase de instrução. Isso é muito decepcionante“, afirmou. A mãe de Miguel chegou ao local da audiência às 8h30 e falou com a imprensa, que não foi autorizada a entrar na Vara.

Já basta a dor que tenho que passar pela morte do meu filho, tem a morosidade da Justiça. Quer queira, que não, é um descaso. Fora a estratégia de defesa dos advogados dela que me machuca muito, eles querem culpar Miguel pelo que aconteceu. Querem transformar Sari na vítima de Miguel“.

Disse Mirtes

O advogado de Sarí Corte Real, Célio Avelino, negou que a defesa da acusada tenta culpar o menino pela morte.

A mãe de Miguel, eu me solidarizo com a dor dela, perdeu um filho em condições trágicas. É evidente que não tem como analisar o fato com raciocínio claro, só com a emoção. Em nenhum momento Sarí ou ninguém de Sarí procurou culpar A, B ou C pelo fato. Foi um acidente, como diz a perícia. O Miguel era uma criança traquina, como toda criança daquela idade. Era um menino ativo, com energia“, declarou o defensor.

Ele também declarou que Sarí não abandonou o menino. “No próprio corpo da acusação diz que Sarí tentou, por cerca de cinco minutos, convencer a criança a sair do elevador e voltar para o apartamento. Cinco minutos é uma eternidade. Ele saiu de um elevador para o outro e Sarí atrás. Na última atenção da criança, ela prestou atenção à filha e ele fechou a porta do elevador“, contou Avelino.

A audiência começou às 9h30 e foi conduzida pelo titular da unidade judiciária, juiz José Renato Bizerra. Foi ele também que conduziu a primeira parte do julgamento, que aconteceu no dia 3 de dezembro de 2020 e terminou sem a ouvida de Sarí.

Desde o início do julgamento, foram ouvidas oito testemunhas arroladas pelo Ministério Público e três testemunhas de defesa, no dia 3 de dezembro de 2020, de forma presencial. A quarta testemunha solicitada pela defesa foi ouvida por carta precatória na comarca de Tracunhaém, na Zona da Mata.

Nesta quarta-feira, foram ouvidas duas testemunhas de defesa de Sarí. A primeira foi o psicólogo Carol Costa Júnior, que depôs presencialmente por cerca de 20 minutos. Ele trabalha na clínica onde Miguel recebia acompanhamento psicológico desde o divórcio dos pais, mas não atendia a criança.

A outra testemunha foi uma empregada doméstica de Sarí, ouvida por videoconferência na comarca de Tamandaré, no Litoral Sul de Pernambuco. Em seguida, por volta das 10h30, teve início o interrogatório de Sarí. A audiência terminou às 11h40.

Não há um prazo para sair o resultado desse julgamento, de acordo com o TJPE. Após a fase de instrução, encerrada nesta quarta-feira, o Ministério Público de Pernambuco, o assistente de acusação e a defesa da ré apresentam, por escrito, suas teses, que são chamadas de alegações finais. Somente após isso, o juiz toma uma decisão.

O pai de Miguel, Paulo Inocêncio, e a avó do menino, Marta Santana, foram até o local da audiência. Do lado de fora da Vara, representantes de movimentos sociais, como a Articulação Negra de Pernambuco e o Fórum de Mulheres de Pernambuco, se reuniram com faixas e cartazes pedindo justiça para o caso.

“Esse ato é um ato de luta contra o racismo e contra o que as instituições fazem. O Caso Miguel é um caso escancarado de racismo. A naturalização do racismo faz como se essas coisas fossem normais. Enquanto isso perdurar, mortes como a de Miguel serão naturais“, disse a poetisa e coordenadora da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, Joaninha Dias.

Parentes de Miguel e representantes de movimentos sociais fazem ato durante audiência do caso, no Recife — Foto: Katherine Coutinho/G1
Representantes de movimentos sociais se reúnem e estendem faixas do lado de fora da vara onde ocorre a audiência do Caso Miguel — Foto: Katherine Coutinho/G1

Via G1

Artigos relacionados